terça-feira, 21 de outubro de 2008

Les Maítres Fous – Jean Rouch (1955)


Do contato entre jovens africanos marginalizados e a moderna cultura de seu colonizador, emergiu em Accra na Costa do Ouro, o ritual da tribo haouka, nos informam os créditos iniciais. Levado ao mundo pelo filme etnográfico de Jean Rouch, o ritual de celebração haouka nos é apresentado em uma de suas costumeiras cerimônias tribais, com a inédita autorização de seus antigos sacerdotes, a despeito de toda a violência e estranhamento que suas tradições possam causar aos interessados olhos ocidentais. Mais do que isso, somos advertidos sobre este jogo que nada mais é do que um reflexo de nossa própria cultura e civilização.
Contraponto entre a forma de vida industrializada e mecanicista que se inseriu na rotina de um povo ainda preso a antigas tradições e a um modo de vida bastante rudimentar, as reuniões de celebração haouka se impõe como tributo aos deuses da Cidade, da Técnica e da Força. Se em seu cotidiano os haoukas nada mais são do que estivadores, dedetizadores, contrabandistas, mineiros ou limpadores de latrinas, trabalhadores braçais como qualquer outro nativo africano, durante as cerimônias haouka eles assumem papéis de magnífica importância e reconhecimento. Mas não é sem estranheza e desconforto que somos apresentados a seu imponente quartel-general e percebemos desde o inicio ser este um pobre terreiro em algum fim de mundo, mesmo que a narração em off nada diminua a autoridade dos chefes haoukas, nem de sua bandeira Union Jack, uma desleixada toalha deixada em um varal, nem do penacho vermelho de seu general, indicador de sua mais alta patente.
Pois é pela reapropriação desta arbitrária supremacia européia e do rastro humilhante da colonização, que o ritual de transe haouka se dirige. Enquanto se deixam possuir pelas entidades modernas que atravessam sua cultura dia após dia, eles incorporam a todo momento papéis da venerável hierarquia ocidental, corrompendo a preciosa disciplina e hierarquia que se cumpre na definição de um governador, do general, do tenente e dos sentinelas, numa forma de incorporar catarticamente algumas funções do poder que reconhecidamente administra sua rotina de povo subjugado. Há até mesmo espaço para entidades com o curioso título de, o maquinista, numa clara alusão ao espantoso progresso técnico-científico ainda estranho aos olhos deste antigo povo africano.
Adaptando o modelo de hierarquia ocidental e seu respectivo protocolo de comportamento, os haoukas encontraram sua forma de contestar um modelo civilizatório que lhes foi imposto inadvertidamente. Adaptando antigos rituais e tradições marginalizadas pela sistemática racionalidade do dominador, este mesmo, possuidor de tradições tão teatrais e irracionais quanto as tradições primitivas haoukas, que se torna claro quando um corte abrupto do terreiro para um desfile solene transmitido para as televisões em homenagem à visita do (verdadeiro) governador britânico em terras africanas. Ficando claro que a inspiração para este ritual de auto-flagelamento e suplício haouka nada mais é do uma interpretação confusa do choque entre o moderno cotidiano ocidental e as vidas daquele povo brutalmente disciplinado.

Les Maîtres Fous  - Jean Rouch (1955) 

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Reflexos da Inocência (2008)

Joe Scott (Daniel Craig) é um típico astro de Hollywood. Ocupa a maior parte de seu tempo promovendo orgias regadas a cocaína, alcool e belas mulheres, enquanto ignora a chegada da decadência. Sua vida dá uma guinada ao receber a notícia da morte prematura de um antigo amigo de infância. Esta tragédia o faz relembrar fatos esquecidos no passado, que darão as pistas para que ele compreenda o vazio e autodestrutivo de seu presente.

O longa de Baillie Wash, articula com cuidado a construção do protagonista enquanto envolve seus personagens em uma delicada trama que conecta a todos de forma engenhosa, no passado e no presente. Wash, diretor de videoclipes do Massive Attack, Oasis, New Order, INXS e Kylie Minogue, se mostra um eficiente diretor em seu primeiro trabalho de ficção, ainda que seu talento seja indiscutivelmente a plasticidade das belas tomadas da praia, do mar e dos corpos dançando ao som de uma belíssima trilha sonora.

É curiosa a caracterização de (Scott) Joe como um homem de meia-idade tão inseguro, apesar do poder aparente que um homem milionário teria vivendo numa colina à beira mar. Joe se encontra constantemente fragilizado, principalmente na ausência de sua empregada e (anjo-da-guarda) Ophelia. Não consegue resolver os conflitos com suas amantes nem se aproximar de modelos menos preocupadas em se consultar com cirurgiões plásticos badalados para uma plástica no nariz. Preenche os dias (e noites) com drogas que recebe a um bip no celular de alguma socialite amiga, e alimenta uma insegura vaidade com a ajuda de cremes de correção facial matutina. Isso tudo enquanto sua carreira declina vertiginosamente já que como se sabe, estrelas têm um curto prazo de validade. O título original Flashbacks of a Fool se explica ao percebermos que grande parte da trama se passa nas lembranças de Joe, quando este era ainda um garoto tímido numa vila à beira mar no interior da Inglaterra. Chega a ser redundante em a beleza das paisagens e das praias onipresentes emtodo o filme, pois apesar do esteticismo admirável, esta opção seria mais apropriada a um filme de fantasia... e não roubando a cena a cada minuto.



Tudo vai bem enquanto Joe e Booth acompanham um ao outro nas frustrações da adolescência e no crescente interesse pelas meninas. Só que tudo se perturba quando Joe se apaixona por Ruth, uma menina extrovertida e independente que o inicia nos discos de David Bowie, no gosto pelo glamour, pelo espetáculo e pela maquiagem.

É mágica a seqüencia onde Ruth e Joe ainda adolescentes “If There Something”, música do Roxy Music, dançam na suntuosa sala dos pais da menina. Mas mesmo apaixonado pela garota de seus sonhos Joe não consegue resistir ao assédio de uma bela e carente vizinha, o que acaba por trazer conseqüências traumáticas para todos à volta.